A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados vai apresentar, até o final do ano, um projeto de lei que garante 100% de isenção fiscal para os produtos reciclados. Além de beneficiar diretamente os catadores – que se tornarão agentes ambientais – a medida representa um forte estímulo à cadeia produtiva de reciclagem no país.
A proposta foi apresentada, em primeira mão, pelo presidente da CMADS, deputado Giovani Cherini (PDT-RS), durante entrevista essa semana ao “Jogo do Poder”, programa da CNT apresentado pelo jornalista e ex-deputado federal Celso Russomanno.
O presidente da CMADS manifestou preocupação com a necessidade de imprimir um ritmo mais veloz ao cumprimento das metas previstas na lei 12.305/10, aprovada pela Câmara, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Segundo ele, a aplicação de incentivos fiscais e tributários permitirá atrair maior número de empresas de reciclagem até porque “é tecnicamente possível reciclar 100% dos resíduos sólidos”.
Cherini lembra que, até 2014, a PNRS prevê a erradicação de todos os lixões do país. “Mas para atingir esse objetivo temos de envolver toda a sociedade, desde a coleta seletiva (separação entre o lixo seco do orgânico) pelo cidadão, à formação de consórcios ambientais estaduais e municipais de reciclagem, além da criação de cooperativas de agentes ambientais, encarregados de orientar as famílias sobre a separação do lixo”.
Segundo o deputado pedetista, um dos fatores para o sucesso da lei é a chamada logística reversa, pela qual os fabricantes tornam-se responsáveis, social e juridicamente, pela reciclagem de seus produtos. Para ele, o maior desafio da logística reversa é fazer com que todos os segmentos industriais tenham valor de mercado. “Assim como as latinhas de alumínio, outros materiais, como vidro, papelão precisam despertar interesse para fins de reciclagem”, avaliou.
O melhor aproveitamento econômico dos resíduos sólidos também deverá contribuir para a criação de novos empregos no setor de reciclagem. “Os 300 mil catadores que temos hoje devem passar para 1 milhão de agentes ambientais”, explicou. Entretanto, Cherini assinala que ainda há um longo caminho a percorrer para a consolidação da atividade no Brasil. “Enquanto os Estados Unidos investem US$ 750 milhões por ano em logística reversa, aqui esse investimento não chega a R$ 20 milhões”, revelou.
Outra questão associada ao lixo é a falta de saneamento básico no país. “Cerca de 60% da população não possui saneamento básico e 13 milhões de pessoas não possuem sequer um banheiro em casa, sendo obrigadas a fazer suas necessidades a céu aberto”, conta. Como reflexo, há uma triste estatística: uma em três pessoas que busca atendimento no Centro de Saúde apresenta alguma doença causada pela falta de saneamento básico. “Isso sem contar com a contaminação do solo, do subsolo e dos lençóis freáticos devido ao lançamento do lixo a céu aberto”, afirmou. Cherini defende a adoção de uma política pública específica e a aplicação de tecnologias criativas e de baixo o custo para o setor.
“Sustentabilidade começa pela nossa casa” é o nome do programa que Giovani Cherini pretende lançar em breve, com apoio do presidente da Câmara, deputado Marco Maia, (PT-SP), para o plantio de 30 mil árvores por ano em várias localidades do país.
A iniciativa é uma medida compensatória para a poluição ambiental causada anualmente pelo Congresso Nacional. “A ideia pode ser replicada pelo Governo federal, assembleias legislativas, câmaras municipais e pelo Poder Judiciário. Já imaginou o quanto podemos fazer em temos de recuperação do meio ambiente? Por isso acho que o bom exemplo começa em casa”, afirmou.
Energia eólica é alvo de interesse internacional
Adepto de primeira hora da energia eólica, o presidente da CMADS observa um grande potencial de crescimento dessa matriz energética no Brasil, que o alvo de interesse por grandes grupos empresariais. “É uma energia limpa, baseada na colocação daqueles cata-ventos gigantes, numa área em que é possível plantar, criar gado, ou seja, não há impedimento algum para conciliar todas essas atividades, ao mesmo tempo. Ao contrário da energia hidrelétrica, que encobre enormes áreas de terra”, argumentou Cherini.
Para o deputado, o país tem potencial de produzir de 15% a 20% de toda a sua energia baseada nos ventos. “Atualmente, a energia eólica responde por 0,8% da energia total, mas temos um potencial de investir, do Maranhão ao Rio Grande do Sul”, assinalou.
Como exemplos no exterior, ele destaca as experiências da Alemanha, a Suécia e a Dinamarca. “Esses países desenvolvem projetos de captação de energia eólica no mar, que se resume a colocação de um pilar, uma torre e um cata-vento na ponta. A Alemanha se prepara para chegar em 2020 com 20% da energia produzida a partir dos ventos”, afirmou, acrescentando que “o Rio Grande do Sul, meu estado, é um dos pioneiros na utilização desse tipo de energia, contando hoje nove projetos em andamento”.
Sinal do crescente interesse estrangeiro na matéria foi a realização, há poucos dias, de uma sessão especial na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, com a participação de uma missão de deputados alemães para discutir projetos de energia limpa, como o biodiesel, solar, a biomassa e o biogás.
A segurança é a maior fonte de preocupação de Cherini quando se trata de energia atômica. Há quase cinco meses, ele liderou uma comissão parlamentar para uma inspeção às usinas nucleares de Angra I, II e III (esta última, ainda em construção). O resultado da visita às instalações foi preocupante. “Temos muita preocupação com assuntos não resolvidos da energia nuclear brasileira. Primeiro que não há estrada de acesso às usinas, as estradas estão sempre sujeitas a desmoronamentos, sem condições para evacuar rapidamente a população, em caso de acidente nuclear”.
A infraestrutura de transportes da região também foi criticada pelo parlamentar. “Não há um aeroporto à altura das necessidades, nem um hospital preparado para receber as vítimas de um provável acidente”. Apesar do resultado decepcionante da inspeção, Cherini é cauteloso com relação ao assunto. “Não seria egoísta de dizer que é preciso acabar com o programa nuclear brasileiro, mas adequar o que temos em Angra às exigências de segurança. Temos que melhorar as condições da estrada, do aeroporto, do hospital e temos que obter uma licença definitiva para a energia nuclear brasileira”.
Cherini propõe que o Ministério Público Federal exija transparência do programa nuclear brasileiro, sobretudo para a população de Angra. O pedetista considera oportuno que o país avalie o custo-benefício desse tipo de energia, priorizada pelo regime militar na década de 70 visando produzir a primeira bomba atômica brasileira. De acordo com o parlamentar, a energia nuclear representa 2,5% da energia consumida no Brasil e 25% da energia consumida pelo estado do Rio de Janeiro. Em tempo: a Alemanha planeja fechar todas suas usinas nucleares até 2020.
Tecnólogo em Cooperativismo, terapeuta holístico e pós-graduado em Economia Rural, Cherini é criador da Complíder (Universidade de Líderes sem Fronteiras), a primeira universidade popular do Brasil e autor de diversos livros, como “Objetivos de vida”, “Liderança baseada em valores”, “Terceiro milênio”, “Liderança sem fronteiras” e “Objetivos de vida para crianças”.
Giovani Cherini entende que seu papel na Comissão de Meio Ambiente é de aproximar ruralistas e ambientalistas em torno de um projeto de desenvolvimento sustentável para o país. “O Brasil tem 200 milhões de hectares de matas nativas. É um privilégio que nem a Europa nem os Estados Unidos possuem. Daí a necessidade de bom senso para tratar desse assunto, para definir o que energia limpa e o que é energia suja”.
Cherini concluiu a entrevista afirmando ser necessário acrescentar, além dos quatro elementos (fogo, ar, água e terra) um quinto elemento à humanidade: o amor. “O Brasil é o maior celeiro do mundo, num mundo com fome; é o maior reservatório de água do mundo, num mundo com sede e o maior produtor de energia limpa num mundo sem energia. Isso dá a ideia de nossa responsabilidade no planeta”. |